Ocorreu-me que já que ninguém nestes meus anos de existência manifestou o interesse de fazer uma biografia sobre a minha humilde pessoa, eu mesmo o faria. Tal descrevo eu, para vocês, caros amigos a história de minha vida.

Capítulo Um ou I em número romano

 A descoberta

É uma pena que eu não possa fundamentar o título da maneira que vocês, caros leitores e a partir de agora amigos, esperam que eu fundamente. Talvez na imaginação de vocês eu relate algo extraordinário, como por exemplo, a descoberta de que minha amada me abandona para fugir com um dançarino, ou que, eu descubro que há um teatro na cidade aos dezesseis anos, fujo abandonando minha família e me torno um ator de respeito. Eu tenho quase certeza que nenhuma destas alternativas aconteceu.

O primeiro passo depois de escolhido o título do primeiro capítulo era relatar minha história, ocorre que meus setenta anos de existência trouxeram junto a si, ou melhor, levaram junto a si minha memória. O pouco que eu sabia era que me chamava Alfredo ou Tancredo, ou ambos os nomes juntos. Eis que a vizinha ao lado comenta “Mas meu senhor, tu precisa é saber quem és pra depois escrever um livreto sobre tu mesmo, oras”, e fazia sentido, assim como fazia sentido o que ela havia me contado um dia destes, que eu costumava ser um homem rabugento e que falava palavrões o tempo inteiro.

Resolvi consultar o padre, uma coisa eu não tinha dúvida, minha fé no senhor, Criador do Céu e da Terra (e do mar também), pois bem, sentei-me numa caixa de madeira e perguntei em bom tom “Ô padre, quem sou eu?” o padre encarou-me por um segundo, vários segundos para ser franco e respondeu “Pois se o senhor não sabe, como vou saber?” “Deixe-me lhe explicar, acontece que eu perdi a memória e preciso de sua ajuda para lembrar algo sobre minha pessoa, ouvi boatos de que me chamo Alfredo ou Tancredo, ou os dois nomes juntos sinhô” o padre pensou e olhou para os céus, em busca de respostas ao Criador, acho eu, e gritou “LEMBREI!” “Lembrou o que senhor?” “Seu nome é Tancredo, e o senhor não acredita no Todo Poderoso.” “Não acredito?” “Tenho certeza, de maneira alguma, lembro que o senhor entrou na igreja e gritou que Jesus deveria ir para… Desculpe, me nego proferir tais palavras na casa do Criador”.

Caminhei para casa inconformado com tais acusações, eu sabia que acreditava no Criador, aquele padre que devia ter me confundido. Entrando em minha casa, desabotoei a calça e caminhei alguns passos quando de repente ouvi um grito feminino “Mas quem é esse velho?” “Ai meu senhor amado quem é a senhora?” “Quem é o senhor?” “Pois é isso que eu queria saber minha senhora, por acaso não pode me responder?” creio que minha pergunta não a agradou, pois fui posto a vassouradas para fora da casa. Decidi naquela noite que não voltaria para meu lar, até porque eu não sabia onde morava, o que complicava a volta.

Caminhei e caminhei, na esperança de que de repente lembrasse algo útil para colocar em minha biografia. Enquanto vasculhava as poucas imagens borradas que havia em minha mente, senti dedos cutucando meu ombro, quando virei avistei um velho um pouco mais alto que eu, com uma barba mal feita, roupas sujas e um chapéu de pescador; “Desculpe, o que o senhor deseja?” “Alfredo!” “O senhor deve ter se enganado, descobri hoje que me chamo Tancredo e não Alfredo.” “Tancredo minhas bolas, tu se chama Alfredo, sou teu irmão Everaldo… Vish, não lembra de mim não?” “Desculpe, não lembro do senhor não. Aliás o padre disse que me chamo Tancredo e que não acredito em Deus.” “Minhas bolas de novo Alfredo, tu foste até coroinha na igreja que eu lembro muito bem, mas passe em minha casa para tomar uma pinga Alfredo, passar bem.”

Depois de terem virado meu cérebro ao avesso, decidi que iria beber, mas não na casa do dito cujo meu irmão, e sim no boteco que se encontrava logo virando a esquina. “Uma pinga forte, por favor. ’’ “Não acredito”!” gritou o velho atrás do balcão “O que meu senhor?” “Seu desgraçado! Tu é Tancredo Alfredo Silva, da família dos Silva, tua mãe faz a barba e teu pai é cabeludo, ah tu me paga seu desgraçado, casou com minha irmã e foi-se embora safado!” “O senhor só pode ter se enganado, não sou Alfredo nem Tancredo.”, os próximos acontecimentos são previsíveis, caro leitor, fui posto fora do bar a tiros. Em que mundo estamos que um pobre velho não pode beber uma pinga no boteco da esquina sem levar um tiro na bunda?

Continuemos; percebo só agora caro leitor, que escrevi muito sobre a minha descoberta e pouco desenvolvi (isto acontece porque não sou escritor). E desculpe ter que comunicar-vos que na verdade não existiu nenhuma descoberta (exceto por uma que contarei no inicio do próximo parágrafo). Após ser acusado de ateu, levado vassouradas e um tiro:
Eis aqui a descoberta: após longo período de procura a respeito de minha vida sem encontrar respostas e de estudos sobre somo escrever uma biografia, decidi que não o faria, fosse eu Tancredo, fosse eu Alfredo. Escritores e críticos dirão que minha próxima frase é deselegante: Oras, minhas bolas para eles.

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