Por Cauê Muraro, do G1

Capa de 'O réu e o rei' e o autor da obra, Paulo Cesar de Araújo (Foto: Divulgação e Bel Pedrosa/Divulgação)

Capa de ‘O réu e o rei’ e o autor da obra, Paulo Cesar de Araújo (Foto: Divulgação e Bel Pedrosa/Divulgação)

O que está em jogo? A disputa em torno da proibição ou liberação das biografias não autorizadas pode finalmente se resolver nesta quarta-feira (10), em julgamento no Supremo Tribunal Federal, às 14h. O STF vai avaliar se figuras públicas continuarão com o poder de vetar a publicação de obras que exponham aspectos de sua vida privada.

Quem está de cada lado? É briga antiga e polêmica. De um lado, artistas e personalidades que invocam direito à privacidade. Do outro lado, biógrafos que recorrem à liberdade de expressão em nome da publicação de seus livros.

Qual o caso mais conhecido? Foi a regra em vigor que permitiu ao cantor Roberto Carlos banir, em 2007, um livro escrito pelo jornalista e historiador Paulo César de Araújo.

O que é a Anel e o que ela quer? A proposta de acabar com essa necessidade de autorização prévia é da Associação Nacional de Editores de Livros (Anel). A entidade apresentou, em 2012, a ação que vai ser julgada no STF. O objetivo é derrubar a exigência de aval do biografado ou de familiares, a “censura privada”.

Ao G1, o advogado da Anel, Gustavo Binenbojm, afirmou estar otimista com relação ao fim do que ele chama de “monopólio do discurso público”. Também disse que a entidade pretende que a decisão também ainda obras audiovisuais de caráter biográfico, como filmes, novelas e séries baseadas em fatos reais.

O que a Anel questiona? A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Anel  questiona dois artigos do Código Civil de 2002. O artigo 20 prevê que a pessoa pode proibir publicações com fins comerciais ou que atinjam sua “honra, boa fama ou respeitabilidade”. O artigo 21 estabelece que a vida privada é inviolável e que cabe ao juiz adotar medidas para impedir exploração indevida. Quando se fala em “inconstitucionalidade”, quer dizer que esses artigos ferem o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, sobre liberdade de expressão.

E o Procure Saber? O assunto ganhou mais destaque a partir de 2013, quando o grupo Procure Saber – então com Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Djavan e outros (e presidido por Paula Lavigne, ex de Caetano) – passou a defender proibição de obras não autorizadas. Caetano anunciou que o grupo estava fora do debate, após desligamento de Roberto Carlos. A associação se mantém ativa, mas em seus canais oficiais comenta mais sobre temas da indústria da música, como streaming e pirataria.

O que argumentam os biógrafos? Para os biógrafos, o veto defendido por artistas impediria a circulação de obras sobre personagens históricos. Os autores citam como exemplo a impossibilidade de se escrever – sem interferências – um texto sobre generais da ditadura ou sobre políticos.

O que algumas personalidades dizem? Os artistas a favor da exigência falam não só de privacidade. Eles destacam as dificuldades em conseguir reparar, através de ações judiciais, os danos posteriores à publicação das biografias.

Como será o julgamento? No julgamento desta quarta, antes dos votos de dez ministros do STF, devem se pronunciar os advogados Gustavo Binenbojm, em nome da Anel; o Advogado-Geral da União, que representa a Presidência da República (leia mais abaixo); e Procuradoria-Geral da República (favorável à ação da Anel).

Além deles, outros sete advogados poderão falar em nome de indivíduos ou grupos admitidos no processo na condição de “amicus curiae” (amigo da Corte). O termo se refere a pessoas ou entidades que podem ajudar um tribunal a decidir sobre determinado assunto, ainda que não sejam parte na disputa judicial em julgamento.

A favor da ação da Anel, há quatro “amicus curiae”: a Academia Brasileira de Letras (ABL), o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a ONG Artigo 19 Brasil e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB).

Contra a ação da Anel, há dois “amicus curiae”: o Instituto Amigo, criado por Roberto Carlos (veja posição abaixo), e a Associação Eduardo Banks. Por fim, em posição indefinida, segundo Binenbojm, está o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). “É uma posição favorável, mas intermediária”, descreve o advogado.

Qual a posição da presidência? A Advocacia-Geral da União (AGU), que representa a União em processos judiciais, é a favor da exigência da autorização prévia para publicação de biografias. Na semana passada, o órgão enviou ao STF um parecer no qual defende essa posição. Segundo a AGU, é comum que biografias exponham “detalhes íntimos” da vida do biografado, o que pode gerar “comoção ou curiosidade na opinião pública”, além de “retorno financeiro para o autor”.

Qual a posição de Roberto Carlos? O Instituto Amigo, criado em 2013 pelo cantor Roberto Carlos, deve participar do julgamento e defender a necessidade de autorização prévia do biografado para a publicação das obras. Caso essa tese não seja aceita, o instituto pede que seja assegurado o direito de indenização por dano material ou moral e direito de resposta em caso de ofensa.

E se STF decidir manter a proibição às biografias? Se a ação da Anel for julgada improcedente, isto é, se a proibição às biografias não autorizadas continar valendo, existe uma alternativa para derrubar a proibição. Atualmente, está em trâmite no Senado um projeto de lei que libera a venda desse tipo de obra mesmo sem a permissão prévia. Ainda não há data para análise da matéria na comissão e no plenário. O texto é um projeto de lei de 2011, de autoria do deputado Newton Lima, e já foi aprovado na Câmara em 2014.

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