Bob Dylan foi reconhecido com o Nobel da Literatura. Foto: Reprodução.

Por Diogo Guedes, do Jornal do Commercio.

É difícil escapar da ideia de que 2016 foi um ano tomado por crises. A escrita teve um período repleto de perdas, debates e mudanças, como não poderia deixar de ser em meio ao mundo político e econômico conturbado. Da escolha do Nobel da Literatura para Bob Dylan até a morte de Ferreira Gullar, foi um ano cheio de simbolismos – e, claro, cheio de amostras de que a literatura continua vigorosa diante de tudo isso.

A perda de Ferreira Gullar, por exemplo, talvez seja uma forma de ver que o papel de grande poeta nacional – que sempre foi problemático – dá cada vez menos conta da realidade literária brasileira, cada vez mais múltipla. O prêmio para Bob Dylan – que, do modo mais Bob Dylan possível, fugiu do reconhecimento e dos holofotes enquanto pôde – pode ser um convite a alargar os horizontes do que é o texto literário e como ele circula. O debate já existia (e foi feito de forma quase exaustiva), mas agora está ampliado para um público maior. A polêmica em torno da revelação da identidade da escritora italiana Elena Ferrante também foi sintomática: fala da incapacidade de alguns de lidar com a ficção e o mistério e do fascínio de outros pelo mesmo assunto.

Em um ano em que as notícias políticas pareciam parte de uma narrativa fantástica, Julián Fuks venceu o Prêmio Jabuti com o romance A Resistência, obra que junta história pessoal e tragédias coletivas das ditaduras sul-americanas. O escritor pernambucano José Luiz Passos publicou neste ano O Marechal de Costas, que conecta a vida de Floriano Peixoto, o nascimento de nossa república e uma cozinheira que vê as manifestações de rua que se iniciaram em 2013. A obra já seguia para a gráfica quando o escritor pediu ao seu editor para incluir uma nova passagem: o discurso de Dilma Rousseff diante do Senado Federal. A literatura, afinal, teve seus momentos de urgência diante de 2016.

As livrarias receberam boas obras – vale citar algumas como Simpatia pelo Demônio, de Bernardo Carvalho, e Como Se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas, de Elvira Vigna. A poesia completa do português Herberto Helder e Um Amor Feliz, de Wislawa Szymborska, valem a leitura.

No mercado editorial, a crise econômica se agravou. Em 2016, as vendas caíram 13,21% e o faturamento diminuiu 4,78%, também pelo quase fim das políticas públicas de educação, que compravam obras para bibliotecas.

Foi um ano duro nos eventos literários de Pernambuco. A Mostra Sesc de Literatura Contemporânea não aconteceu. A Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto) terminou cancelada pelo seu organizador, Antônio Campos – o político, que perdeu a disputa pela prefeitura de Olinda, reclamou da falta de apoio do Governo do Estado. A gestão de Paulo Câmara também não realizou pela segunda vez o Festival Internacional de Poesia (FIP). A boa notícia foi a criação da Semana do Livro de Pernambuco

No próximo ano, a Fliporto promete voltar, mas ainda não anunciou uma data. Já a Bienal do Livro de Pernambuco, em outubro, vai celebrar a literatura de Lima Barreto e de Fernando Monteiro. “A ideia é fazer também debates pensando aquele Brasil da virada dos séculos 19 e 20. Queremos pensar aquele começo da república, pensar Canudos, pensar esse primeiro golpe para pensar a democracia. E ter vários debates sobre a questão negra”, adianta o curador Schneider Carpeggiani. “A gente deve fazer na Bienal uma exposição das caixas de Fernando Monteiro, o outro homenageado, que é um projeto dele de artes plásticas como narrativa. Além disso, na Bienal, vai ser lançado um livro de contos inéditos de Fernando pela Confraria do Vento.” Outro projeto dos organizadores da Bienal do Livro é a Feira do Livro do Vale do São Francisco, em Petrolina.

Ainda em 2017, Fernando Monteiro também vai ser o tema do projeto O Ano das Lágrimas na Chuva, que começa em maio e tem recursos do Funcultura. O autor vai conversar com poetas contemporâneos brasileiros na Biblioteca Pública de Pernambuco.

A literatura pernambucana também terá lançamentos: um deles é o de A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores (Nova Fronteira), obra póstuma de Ariano Suassuna. Além disso, Raimundo prepara para a celebração dos seus 70 anos, em dezembro, o seu novo romance, Pérolas Porcas (Iluminuras); Micheliny Verunschk vai lançar o romance O Peso do Coração de um Homem (Patuá) e sua Poesia Reunida (Martelo Editorial); Wellington de Melo aguarda a publicação de À Sombra do Pai (Confraria do Vento). “A obra coloca em discussão o patriarcado, a especulação imobiliária e o papel do escritor”, adianta Wellington, que também vai editar pela Mariposa Cartonera a coletâneas Aquarius, com contos de Ricardo Lísias, Nivaldo Tenório, José Luiz Passos e Maria Valéria Rezende. O prefácio é de Kleber Mendonça Filho.

 

Alguns destaques de 2016

BOB DYLAN, O POETA

Em 2016, a Academia Sueca escolheu premiar um dos maiores músicos de todos os tempos com o Nobel da Literatura. Além dos bons debates sobre suas letras, a premiação gerou expectativa: Dylan demorou a se pronunciar sobre ela, não pôde ir à cerimônia e terminou sendo representado por Patti Smith.

PERDAS E DESPEDIDAS

A morte de Ferreira Gullar aos 86 anos foi apenas a última de um ano de despedidas. Além do autor de Poema Sujo, 2016 trouxe a perda de autores internacionais como Umberto Eco, Harper Lee e os vencedores do Nobel Imre Kertész e Dario Fo. No Brasil, ainda morreram o tradutor Boris Schnaiderman, o contista Antônio Carlos Viana e o pesquisador Luiz Antonio Marcuschi.

EDITORAS PEQUENAS

Com o fim da Cosac Naify no ano passado (cogitou-se até destruir o acervo restante dela, que terminou comprado pela Amazon), o mercado brasileiro, bastante concentrado em algumas grandes editoras, viu o nascimento e a consolidação de empreendimentos menores, dedicados a projetos gráficos de excelência ou a catálogos com foco específico, como a Ubu, a Rádio Londres, a Carambaia, a Luna Parque, a já veterana Demônio Negro, a Lote 42, a Patuá e a Cultura e Barbárie, entre outras.

VENDAS EM QUEDA

O ano passado já registrou uma queda na venda de livros (3,7%), ainda que o preço deles tenha aumentado. Nesse ano, o baque foi maior, mesmo com grandes lançamentos como o novo Harry Potter: as vendas caíram 13,21% segundo a Nielsen BookScan Team, enquanto o faturamento diminuiu 4,78%.

RADUAN E PREMIAÇÕES

Para um autor discreto, foi um ano movimentado: Raduan Nassar ganhou o Prêmio Camões, maior premiação da língua portuguesa, e teve sua obra completa publicada, com três textos inéditos. Os vencedores das premiações nacionais foram Julián Fuks, autor de A Resistência (Jabuti), o português José Luís Peixoto, autor de Galveias (Oceanos), e Beatriz Bracher, criadora de Anatomia do Paraíso (Prêmio São Paulo). O Prêmio Machado de Assis, em novo formato, ficou com Ignácio de Loyola Brandão.

EM PERNAMBUCO

O Estado também teve sua leva de premiados. O garanhuense Mário Rodrigues venceu o Prêmio Sesc, voltado para inéditos. No Prêmio Cepe, o grande vencedor foi Walther Moreira Santos. E o Prêmio Pernambuco publica em 2017 obras de Álvaro Filho, Philippe Wollney, Camillo José, Walther Moreira Santos e Paulo Gervais.

FESTIVAIS

Em 2015, houve uma notável redução no tamanhos dos eventos literários de Pernambuco – o Festival Internacional de Poesia (FIP), organizado pelo Governo do Estado, já não havia acontecido. Neste ano, o cenário se agravou: depois de perder a eleição para prefeito de Olinda, Antônio Campos cancelou a Fliporto de 2016. A Mostra Sesc de Literatura Contemporânea, que chegou a ter programação divulgada, não aconteceu; o FIP também não foi realizado. Outros, como a Fenelivro e o A Letra e a Voz tiveram formato menor. A boa notícia foi a criação da Semana do Livro de Pernambuco, que acontecerá nos anos sem Bienal do Livro.

LANÇAMENTOS

Premiada em 2015, Micheliny Verunschk lançou seu segundo romance, Aqui, no Coração do Inferno. A literatura teve um ano produtivo: entre muitos outros, José Luiz Passos abordou o presente político e a vida de Floriano Peixoto no seu O Marechal de Costas; o poeta Samarone Lima publicou seu terceiro livro de versos, A Invenção do Deserto; Sidney Rocha voltou aos contos no seu Guerra de Ninguém. Newton Moreno (Ópera e Outros Contos), Adelaide Ivánova (O Martelo) e Everardo Norões (Melhores Mangas) também mereceram destaque.

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